sexta-feira, dezembro 23, 2005

Fogueiras no Meio da Sala

A vida do Coroneu dependia da lenha molhada e dois paus de fósforo herméticamente guardados na mochila das costas até ao acampamento. O acampamento era ele próprio, a tenda resistente e uma desértica vista fabulosa do lago que separava a Argentina do Chile.
- A comida está na mesa,
ouvia o Coroneu lá de longe. Mas além da galinha, ninguém. Colheu-a da armadilha mas era nada se não conseguisse fogo. Com uma cautelosa torção do pescoço extinguiu-lhe o último piar.
- A comida está na mesa,
ouvia o Coroneu e soprava sobre as húmidas brasas virgens na esperança ansiosa que os desesperados têm, na esperança que o agora último pau de fósforo se transformasse em fogo farto, uma alquimia de sobrevivência mais valiosa que o ouro.
- A comida está na mesa,
mas ali se não houvesse fogo nenhuma comida estava na mesa, o estômago oco não suportaria mais ausências. Pensou 'os créditos chegaram ao fim Coroneu'.
- A comida está na mesa e essa lareira afinal sai ou não?

Pronto! Logo agora que o Coroneu estava a chegar ao limite! E ia outra vez ser herói de uma aventura a que poucos sobreviveriam! Ajoelhado ateou finalmente o papel sob a lenha da lareira e juntou-se à familia na mesa de jantar onde pelo telejornal o mundo lá fora ia acenando para dentro da sala aquecida.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Quente a Sul, Frio a Norte

Neste hemisfério o Coroneu vai a correr para o Sul sempre que pode, para a planície quente e despovoada onde o horizonte só existe porque a Terra é redonda. É mágica esta planície porque as cores mudam com as estações e o seco árido alterna com as chuvas numa dança cromática que ao contrário das outras regiões não se limita ao castanho e ao verde.

Esta planície também tem litoral, voltado para o Brasil e para a viagem. Tem casas brancas e gente que veste de preto, muito afável e indiferente a modas numa atitude digna e muito sua que perdura. Neste hemisfério as pessoas do Sul são quentes como esse clima cada vez mais próximo do deserto, são constantemente moldadas pelo vento mas não se abatem, como as dunas. A este Sul não alcança a nortada nem o frio que vem do Norte. Claro que no outro hemisfério é diferente, é ao contrário.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Saber de Cão

Andava o Coroneu nos passeios nocturnos ao quarteirão quando no cruzamento mesmo em frente aos olhos do Coroneu a motorizada de entregas da Telepizza foi abordada em andamento por um ligeiro descuidado. Bac! E o motor da motorizada faliu ali.

Um cão seguia adiante ao Coroneu. A condutora do carro saiu e ficou a olhar para a traseira amolgada do carro com o motorista da motorizada. Os dois a opinarem da traseira do carro. Depois os dois s discutirem, já ausentes do carro e da motorizada. O cão aproximou-se da motorizada caida, cheirou-lhe o pneu deitado e alçando a perna fez o que os cães fazem na rua junto aos pneus.

O Coroneu deixou para trás a motorizada e os dois condutores a discutir junto ao carro. À frente o cão seguia seguro que quando há só chapa danificada - e não era muita - o melhor é alçar a perna e seguir para o resto da noite que não acaba ali.

terça-feira, novembro 22, 2005

Mundo Árido no Topo do Céu

Os 8840 m de altura fazem do Evereste o pico mais alto dos Himalaias e do mundo. A palavra Himalaias vem do sânscrito e hindi que significa 'morada das neves'. No entanto, os Andes chegam a ter 6000 m e desde o fundo do mar até ao topo dos céus ultrapassam já a cota máxima do Evereste. Os Andes têm metade da idade dos Himalaias e continuam a crescer embatendo na placa inferior do Oceano Pacífico. Há quem sustente que crescem 100m por século. O Coroneu já lá esteve, nos Andes.

O Sahara é o maior deserto do mundo, excluindo a Antártida. Tem 9,065,000 km2, quase o tamanho da Europa. A palavra vem do árabe e do tuaregue que significa 'deserto'. Na América do Sul está no entanto o deserto mais árido do mundo, onde há pontos que nunca sentiram chuva. A lingua do deserto Atacama varre 960km ao longo dos Andes. O Coroneu já esteve no Sahara e em Atacama. Nunca esteve na Antártida, o último território independente de estados políticos no planeta azul. Mas gostava.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Ouvido de Passagem

- Bolas que a minha irmã não atende o telemóvel.
- Ora, está entretida.
- Entretida há 4 dias, não?

No mesmo fim de semana em que o Coroneu foi ver a 'Alice' - uma história simples, num filme bom mas de uma tristeza intensa. A seguir o 'Manô' proporciona o equilibrio da alegria pintada a cores.

Para o Coroneu são duas perspectivas sobre a recusa da não existência: uma dramática e realista na tradição moderna do cinema português, a outra cómica e burlesca como no tempo em que o cinema português era pai de gargalhadas mesmo a preto e branco.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Brincar ao Poder

1.O Coroneu nunca pensou que as declarações da deputada Manuela Ferreira Leite ("Se o Orçamento vai ser cumprido tal como ele está apresentado não merecia o voto contra. Não merecia porque faz um esforço claro no sentido de controlar a despesa") originassem reacções por parte do PSD tão assumidamente de interesse politico. Segundo a direcção do PSD o orçamento de estado é um documento político e não executivo. O Coroneu pergunta:
- Mas não é executivo um documento anual que apresenta medidas e cifras adjudicadas a essas medidas?
Já se sabia que os políticos não sérios nunca votam na proposta mas sempre no proponente, mas é degradante vê-los assumirem-se assim, pensa o Coroneu.

2.Do outro lado da bancada o PS inviabilizou ontem audições parlamentares sobre a fuga de Fátima Felgueiras para o Brasil e o seu regresso a Portugal, alegando que o assunto é do foro judicial e não político. Ninguém questiona a justificação mas mais uma vez é inevitavel a dúvida sobre a idoneidade partidária para com a autarca. E numa altura pós eleições autarquicas em que o povo não soube responsabilizar políticos não sérios seria refrescante e útil dar o exemplo.

3.Enquanto isso os outros partidos brincam ao Presidente da República.

NOTA: Portugal vai aprovar hoje uma proposta de lei que pretende duplicar para 24 milhas a área do mar onde exerce soberania. O Coroneu acha bem. E nunca seria tarde para embarcar esses políticos não sérios e deixá-los por lá, na fronteira marítima, onde poderiam brincar ao poder na conquista do leme num barco cuja direcção só realmente a eles afectaria.

'Uma Mão Cheia de Nada'

.
.
.
.
.
.
.

sexta-feira, novembro 11, 2005

( )

Era para dizer qualquer coisa mas ao abrir a boca o mundo entrou pelos olhos adentro do Coroneu de tal forma que ficou pasmado e preferiu silêncio. Há muita gente que deveria fazer silêncio também, só por instantes, para descansar os ouvidos e deixar ouvir o barulho do mundo quando ninguém fala.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Esta Senhora Já Não Mora Aqui

Quando se entra no edíficio do Coroneu há as caixas metálicas do correio suspensas na parede e alinhadas pelos andares, cada morador verifica a sua antes de subir as escadas. Sobre as caixas metálicas do correio um envelope espera a devolução ao remetente. Diz assim a lápis grosso: 'Esta senhora já faleceu'.

E portanto a carta espera há 2 dias o reenvio pelo carteiro no caminho inverso com a notícia fúnebre escrita por um vizinho a lápis no envelope virgem da carta que quem receber saberá nunca ter sido lida porque a senhora já não morava aqui.

quinta-feira, novembro 03, 2005

A Aventura da Viagem

"Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."
:::::::::::::::::::::::::'Viagem' (1962), Miguel Torga

Andava o Coroneu com um dos amigos (Marco F.) a prolongar o tempo das férias da Páscoa, trilhando estradas entre as cidades de Espanha à custa de boleias, na companhia de camionistas checos de cujas piadas riam sem entender ou de jovens casais madrilenos curiosos por falar com dois miúdos portugueses, os dois desenhando percursos improvisados até ao Mediterrâneo, às vezes perdidos como naquele campo de cebolas que tiveram de pagar outras vezes demasiado inseridos como na noite mirabolante na Cataluña.

Andava o Coroneu e o Marco F. (esse amigo bastardo sangue na guelra do Atlântico) a substituir a faculdade por estradas quando à noitinha ao explicarem a simples viagem a um grupo de amigos espanhóis um deles teimava em perguntar "Porquê?" e até quando os outros tomavam a vez do Coroneu e do amigo ele insistia em perguntar "Porquê à boleia" ou então "Porque não em excursão ou assim?". Porque talvez o que ele não soubesse é que há viagens cuja magia não está no destino mas na forma como se viaja.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Noites Estreladas de Van Gogh

es
"The Starry Night" (1889) ::::::::::::::::::::::::::::"Starry Night over the Rhone"(1888)

Foi num asilo 13 meses antes de morrer aos 37 anos que Van Gogh pintou o que é considerado o seu quadro mais célebre, obedecendo às constatações de Nietzsche de que a luz que brilha o dobro arde em metade do tempo ou que é preciso muito caos interior para gerar uma estrela que dança.

"Starry, Starry night Paint your palette blue and grey (...) Now I understand What you tried to say to me How you suffered for your sanity How you tried to set them free They would not listen they did not know how Perhaps they'll listen now.(..)", 'Vincent', Don McLean

quarta-feira, outubro 19, 2005

Cães Que Adoptam Pessoas

Há cães e há cães, os cães da cidade e os cães verdadeiros, os cães da cidade ossudos e olheirudos como os próprios donos que os passeiam na casa de banho da via pública à distância de uma trela demasiado curta ou daquelas elásticas que enrolam uma cidade inteira entre o dono e o cão.

Mas o cão que adoptou o Coroneu era um cão verdadeiro. Tinha andado 30 km pelos campos e as patas feridas fizeram-no parar no acampamento onde o Coroneu dormia. Dois dias depois de ter adoptado o Coroneu, de o ter avisado dos cavalos e das vacas, seguiram pela estrada e apanharam a mesma boleia na caixa aberta de uma carrinha.

10km mais tarde o dono enchia o cão de festas. Explicou que o tinha perdido numa feira e agradeceu ao Coroneu. O Coroneu descartou-se porque o mérito pertencia às patas feridas de 40 km do cão que conseguiu achar o caminho de casa. Há donos que adoptam cães mas os cães verdadeiros adoptam os donos e, como todo sentimento que é autêntico, não os abandonam nunca. O Coroneu deixou o cão e o dono enternecidos, esperando também ele encontrar num dia desprevenido o caminho para casa.

sábado, outubro 08, 2005

(autárquico)

Só falta 1 dia para ficar definitivamente provado que ao eleger Felgueiras, Isaltino, Ferreira Torres, Valentim Loureiro e outros que mais, Portugal tem os políticos que merece. O Coroneu só questiona a eleição de Ferreira Torres, mas quanto aos outros infelizmente o eleitorado parece inclinar-se para eles como a Lei de Murphy para a desgraça. Criticam as candidaturas de Cavaco e Soares queixando-se São sempre os mesmos, mas pelas suas mãos directas é aos mesmos que vão entregar o poder.

Vão ser eleitos políticos desfiliados e desacreditados nos seus próprios partidos, criminosos que zombaram da lei portuguesa (Felgueiras, que no Brasil continuava a receber os honorários da câmara) ou políticos de seriedade dúbia (Isaltino que resignou de um cargo público pela abertura do processo para depois se candidatar a outro cargo público na decorrência desse mesmo processo) ou Ferreira Torres e Valentim Loureiro cujo aberrante comportamento amoral perante a própria democracia não devia carecer explicações nem aos eleitores mais desatentos.

Mas nem são estes eleitores desatentos que usam Não vou votar porque são todos iguais, que lhes vão entregar as câmaras. São os outros que vão votar e que dizem Esta põs Felgueiras na televisão, em jeito de agradecimento como o Coroneu viu num noticiário.

E assim amanhã, a comprovar-se aquilo que o Coroneu receia, a questão deixa de ser Será que Portugal tem os políticos que merece, e deixa até de ser uma questão. Passa a ser uma constatação que é a que os políticos portugueses merecedores e competentes - que os há - não mereciam um Portugal com eleitores assim.

quinta-feira, outubro 06, 2005

Quantos São? Para Que São?

A constituição não se ensina nem na escola nem em lado nenhum. Mas aprende-se consultando os locais certos. Na eminência das eleições para os 3 orgãos autárquicos o Coroneu atreve-se a descrever em seguida o que nem os intransigentes profissionais do tédio (advogados - excepto os amigos do Coroneu claro! ou os que lêem esta página que no fundo também são amigos do Coroneu claro!) têm paciência para expôr:

Câmara Municipal - orgão executivo da câmara (faz planos e planeamentos).

Lisboa - 16 vereadores.
Porto - 12 vereadores.
Municípios com mais de 100.000 eleitores - 10 vereadores.
Municípios com mais de 50.000 e até 100.000 eleitores - 8 vereadores.
Municípios com mais de 10.000 e até 50.000 eleitores - 6 vereadores.
Municípios com 10.000 ou menos eleitores - 4 vereadores.

Assembleia Municipal - orgão deliberativo da câmara (aprova decisões).

O número de membros a eleger directamente não poderá ser inferior ao triplo do número de membros da respectiva câmara municipal.

Assembleia de Freguesia

19 membros - quando o número de eleitores da freguesia for superior a 20.000;
13 membros - quando o número for igual ou inferior a 20.000 e superior a 5.000;
9 membros - quando o número for igual ou inferior a 5.000 e superior a 1.000;
7 membros - quando o número de eleitores da freguesia for igual ou inferior a 1.000.

Nas freguesias com mais de 30.000 eleitores, o número de membros da respectiva assembleia é aumentado de mais 1 por cada 5.000 eleitores além dos 30.000. Se o resultado for par, deverá ainda adicionar-se 1.

Portanto para saber quantos são lá no concelho e na freguesia basta contar o número de eleitores com os dedos. Ou então ir aqui. Próxima questão, próximo post: terá o país do Coroneu os políticos que merece?

segunda-feira, outubro 03, 2005

Eclipse Anular (mas parcial abaixo de Braga)

Eclipse solar total com maior tempo de duração (6m39s) no Séc.XXI, 2009

São 8:38 certas ao minuto - quase 1h30m antes do auge do fenómeno - e o Coroneu sonolento observa o eclipse anular do sol. Na verdade em Lisboa é um eclipse parcial. É o maior eclipse solar do último século em Portugal. O próximo eclipse anular em Portugal será em 2028. Há eclipses solares de quatro tipos:

  • O eclipse total: todo o sol fica oculto pela lua. Noite completa.
  • O eclipse parcial: apenas uma parte do sol é comida pela lua.
  • O eclipse anular: um anel da luminosidade solar pode ser vista ao redor da lua.
  • O eclipse híbrido: quando o eclipse é anular em alguns locais e total em outros.

O último eclipse que o Coroneu observou atento foi um eclipse lunar no Brasil, com a lua ao contrário num céu desconhecido. O próximo eclipse solar será total e começa onde o Brasil acaba prolongando-se até à Russia e Mongólia. Pode ser que o Coroneu lá esteja a observar atento, em 2006. Por enquanto o Coroneu está em Lisboa onde o eclipse atinge uma magnitude de 87% e sendo que o relógio quase marca 11:17 e o eclipse está prestes a acabar, adeus, boa noite e até outro dia em que o céu se volte a encontrar na esquina de dois astros.

P.S - Esta exaustiva página da N.A.S.A tem as horas locais equívocadas. Esta do Observatório Astronómico de Lisboa embora com tabelas simples e limitadas, vá lá, fracotas, está correcta.

terça-feira, setembro 27, 2005

Como um Alexander Selkirk

Depois de um ano dentro do galeão Cinque Ports, o tripulante de 28 anos Alexander Selkirk desentendeu-se mais uma vez com o capitão e numa teimosia efervescente de sangue escocês exigiu ser abandonado no arquipélago deserto de Juan Fernandez onde o galeão se abastecia de água fresca. Foi em Setembro de 1704 que a embarcação o deixou para trás - o galeão Cinque Ports naufragou pouco tempo depois - e Selkirk esperava ser resgatado em breve. Demorou 4 anos e meio.

Entretanto na ilha teve de sobreviver aos leões marinhos que invadiram a praia, embrenhou-se na vegetação, domesticou gatos selvagens para companhia e escondeu-se de dois navios espanhóis que pelo defeito de ser irlandês o torturariam até morrer. Sobreviveu até outro navio britânico aportar na ilha, com o mesmo capitão do Cinque Ports como piloto. Alexander Selkirk voltou finalmente para casa e foi uma das inspirações do livro Robinson Crusoé publicado em 1719.

Agora, quando o Coroneu arrisca uma situação segura em troca de um risco desconhecido por defender convicções teimosas, ouve a voz experiente de um marinheiro isolado pelas ilhas do Pacífico a acautelar tendências murmurando:
'Tem cuidado Coroneu, lembra-te do teimoso escocês corajoso Alexander Selkirk'.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Era Engano

Depois de almoço o Coroneu telefonava para um telemóvel cujo número estava escrito num anúncio de aluguer de casa em Lisboa. Atenderam.
- Xim?
O Coroneu perguntou da casa.
- Como arranjou este número? - perguntou-lhe uma feminina voz roca.
- Estava no anúncio do jornal.
- Mas, quer dizer, a casa, alugar, mas como arranjou este número?
- Desculpe, não tem uma casa para alugar? - perguntou o Coroneu confundido.
- Tenho lá a casa de Aveiro sim, confidencial claro, mas quem lhe deu este número?
- Aveiro?! Então foi engano, desculpe...
- Oiça, desculpe, não está à vontade é natural, se quiser ver a casa é sem compromisso.
- Não, é engano mesmo, obrigado.
- Para a primeira vez é natural, não está à vontade, peço-lhe é que não me ligue para o fixo por causa do meu marido.
Antes de desligar o Coroneu ouviu ainda a feminina voz rouca:
- É uma casa de frente para a ria, sem compromisso...

terça-feira, setembro 20, 2005

Societé Anonyme des Artistes Peintres

"Impression: soleil levant"(1872), Claude Monet

Quando expostos pela primeira vez ao público, em 1874, os quadros impressionistas foram zombados pelos parisienses demasiado acomodados às obras sombrias e bem delineadas do barroco. A partir do nome deste quadro de Monet, um crítico depressiou toda a exposição no jornal Le Charivari chamando aos artistas um grupo de impressionistas - designação que o próprio grupo posteriormente adoptou. O impressionismo distinguiu-se pelo registo das tonalidades no momento, ausência de contornos nítidos, substituição das sombras escuras e pretas por sombras luminosas e coloridas, contrastes entre luz e sombra obedecendo à lei das cores complementares... Este quadro não é o que melhor traduz o impressionismo - dizem os críticos e o Coroneu acredita - mas é o que históricamente marca o ínicio de uma nova forma de pensar a arte: na pintura, na literatura e na escultura.

domingo, setembro 11, 2005

No Dia Que Todos Se Lembram

'Non perche siammo diversi del altri, ma perche noi non morriremo mai', Luna Pop

Há quatro anos atrás o Coroneu estava com o David (esse miúdo bastardo amigo), os dois sobre a estrada mais meridional dos Estados Unidos a menos de 200km de Cuba, tinham chegado a Key West após quase um mês viajando pela costa leste, tinham visto coisas tão diversas e curiosas como o rapaz que vendia anedotas a 1 dólar ou o Labor Day em New Orleans. E depois de quatro anos o que sobra do Coroneu e do amigo?

Cada um na sua estrada, prontos a partir de novo comendo macadame com a planta dos pés e quando o Coroneu vê hoje os programas a recordar os aviões e entretanto todos paralizados diante da televisão mais próxima, recorda-se de quando andava com o David (esse miúdo bastardo amigo) no Ford Taurus alugado, recorda-se de Party Marty (o louco personagem da noite na Florida), recorda-se dos homossexuais que ofereciam cerveja à porta do bar, recorda-se de Buffalo (a cidade do espírito gótico) e depois de quatro anos recorda-se como, assim tão longe e divertido sem pensar em mais nada a não ser viver o momento, o Coroneu recorda-se como ao saber sentiu falta dos seus.

O Coroneu e o David (esse miúdo bastardo amigo) esqueceram-se da chuva e da ausência e embriagaram-se como adolescentes, como o Coroneu há uns anos, como o Coroneu faria hoje se não soubesse sair para jantar com amigos que não recordem o que sucedeu de forma diversa como o Coroneu e também o David (esse miúdo bastardo amigo) recordam.

O que eles recordam é como acordavam de sacos cama sob um céu de tempestade ou debaixo de um sol fuzilador, o que eles recordam é da sensação inimitável e autêntica de adormecer na praia coberta de estrelas e dos mosquitos que se alimentavam deles, o que eles se recordam é de acordar no carro enquanto amanhecia e o outro já conduzia noutro Estado ou então ao anoitecer sempre numa estrada que parecia não acabar nunca como a felicidade quando surge, porque aquele era um outro mundo, o mundo dos americanos tão diferentes do que tinham imaginado, era um mundo diferente do mundo dos aviões e da morte e da angústia e lá naquele mundo seriam sempre jovens e aquelas coisas que passavam na TV e na rádio do Ford Taurus não pertenciam aquele mundo, não por eles serem diversos dos outros mas porque naquela altura, sobre a estrada, o Coroneu tinha a certeza e era talvez capaz de jurar, que não morreriam nunca.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Katrina's Jazz for New Orleans (Long)

"[New Orleans] is the city where imagination takes precedence over fact.", William Faulkner

À noite entre a multidão da Bourbon Street soava um suave saxofone. O que distinguia a negra cega encostada à parede era o branco opaco dos olhos abertos, sem íris como nos filmes de terror. Tocava saxofone. Celebrava-se o Labor Day como um mini Mardi Gras e o Coroneu observava pela rua a gay parade coexistindo com as familias contemplativas de turistas americanos que passeavam driblando o carrinho de bébé. Nas varandas, meninas pendurando colares coloridos declinavam ao pudor desvendando implantes mamários decadentes para os voyeurs de nariz erguido. A velha negra de olhos brancos e um cordão de voodoo tocava saxofone sem aceitar gorjetas. Ao lado um cartaz pacífico esclarecia: "Salvation Jazz for New Orleans".

A 4 quarteirões do french quarter, o cemitério construido em tumbas elevadas numa premonição de inundações, que os turistas visitavam na curiosidade mórbida de quem não enterra mortos ali.

A cidade viva edificada lá em baixo, numa média de 1,5m abaixo do nível da bacia do golfo do México a norte, rodeada pelo Mississipi e os pântanos de crocodilos a sul. Os mortos sobre os vivos, numa inversão pagã coerente com os creolos franceses vendidos por Napoleão em 1803, escravos negros e artistas de jazz demasiado pobres para viajarem para Chicago como Armstrong para fugir à descriminação sulista, herdeiros falidos de colonialistas espanhóis, intelectuais americanos como Faulkner ou escritores homosexuais assumidos como Tennessee Williams. Voodoo, a mistura pacífica de contra culturas, a liberdade de expressão e a vida despreocupada sempre alvo de desprezo dos políticos conservadores.

Este ano, quatro anos e 1 piercing depois, o Katrina afastou comemorações possiveis do Labor Day. Ou como dizem as TV's, a falta de acção do governo. Os refugiados dividem-se para os estados vizinhos do Louisiana: Texas, o mais rico ou Mississipi, o mais pobre dos EUA. Pelo que noticiam as TV's a cidade evacuada tem metade dos seus polícias dados como desaparecidos. Na arena onde os habitantes coexistem há violações e tiroteios permanentes. Milhares de recém nascidos foram evacuados das maternidades sem tempo de avisar os pais. E entretanto a mãe texana do presidente afirma qualquer coisa afectada como "Nós lá no Texas somos muito hospitaleiros e eles já eram desfavorecidos, isto até foi bom para eles". Sete das cinco áreas atingidas pertenciam a famílias pobres cujos velhos diques não protegeram.

Do outro lado do oceano chegam à europa ecos da cidade mais euro-africana dos EUA. Sobre as notícias, o Coroneu distingue um suave saxofone vibrando em desabafos espirituais contra nada mas a favor da coexistência de credos e étnias que, como a velha cega disse ao Coroneu, a fez viver ali. Ali, na cidade abandonada a seu tempo por franceses, espanhóis e recentemente pelo estado americano - cuja verba para manutenção dos diques não disponibilizou, cujo plano de evacuação foi deficiente. Numa resignação aos desastres da História, à retórica e aos políticos, encostada a uma noite submersa a negra cega de olhos brancos opacos sopra no saxofone desacreditada de qualquer fé que não lhe traga a salvação eterna, para além da carne e da morte que, como nos filmes de terror, pairam sobre a suspensa alegria da vida em New Orleans.

sábado, agosto 20, 2005

1914-1918

Enquanto na comunicação social se assinalam os 60 anos das bombas como erro monumental (ou necessário) da História o Coroneu tropeçou num despretensioso livro sobre a que em ingenuidade se supunha ser a guerra para acabar com todas as guerras - a Grande Guerra.

(o Coroneu emenda porque além de não se exprimir em alemão acha um despropósito o substantivo guerra ter inicial maiúscula e como adjectivo grande) - a primeira guerra mundial.

Neste livro o Coroneu relembrou ou aprendeu o seguinte:

- A guerra foi iniciada pela Aústria contra a Servia porque um grupo chamado Mão Negra matou com uma bala o futuro imperador da Austria (Antes do tiro mortal, uma granada caiu-lhe no carro mas o futuro imperador atirou-a para trás... provocando 8 feridos do carro posterior).

- O chefe de estado alemão que se aliou à Aústria era neto da rainha de Inglaterra.

- A familia real inglesa tinha um apelido alemão antes da guerra e que mudou para o apelido inglês Windsor por desprezo aos alemães.

- Como a familia real, também foram mudados os nomes aos pastores alemães para lobos de alsácia - pensava o Coroneu que eram raças diferentes.

- Durante o ano que durou (1918-1919), a gripe espanhola matou mais pessoas (20 milhões) que a guerra (8,5 milhões).

- A guerra demorou 4 anos, 4 meses e 4 dias até ao armisticio, assinado às 11h de dia 11 de Novembro (11º mês).

O pior da guerra que não acabou com todas as guerras foi que, como o Coroneu aprendeu na Galáctica, impulsionou a segunda guerra para decidir em definitivo o resultado da primeira.

terça-feira, julho 26, 2005

New York, New York

Um mês antes do céu cair aos pedaços em NY o Coroneu e um amigo chegaram ao aeroporto JFK sem alojamento marcado. Era de noite e levavam nas mochilas uma tenda e dois sacos cama. Sairam do aeroporto depois da burocracia fronteiriça sem saber para onde. Não tinham planeado nada. Os autocarros nocturnos do aeroporto para a metrópole pareciam demasiado perigosos, demasiada gente desconhecida. Saíram pelas traseiras do aeroporto. Percorreram um enorme parque de estacionamento. Ao fundo passaram pela porta de rede e atravessaram um viaduto. Os faróis passavam com velocidade. Viram-se num espaço verde condensado entre viadutos. A ideia de não planear era improvisar e aproveitar a idade. Estava demasiado calor para montar a tenda, estenderam os saco-cama. Adormeceram entre o rumor veloz dos carros e inesperadas cigarras urbanas, começavam os contrastes da metrópole que nunca dorme. Foi a primeira noite do Coroneu em Nova Iorque, um mês antes do céu desabar.

quinta-feira, julho 21, 2005

O Telemóvel Toca Sempre Duas Vezes

Eram 8 da manhã quando o telemóvel soou a acusar um número desconhecido. O Coroneu acordou, limpou a garganta, ensaiou a voz, ergueu-se e atendeu. No outro lado uma voz indignada a solavancos de insulto:

'- Ó filhos d "#$%£ mas onde é que vocês estão?'

À tentativa estremunhada do Coroneu para explicar que era engano a voz não convencida balbucinou insultos descrentes e desligou. Minutos depois o telemóvel do Coroneu voltou a tocar, o mesmo número. O Coroneu atendeu e gritou:

'- Vou já.'

'- Então despacha-te', disse a voz desconhecida antes de desligar.

quarta-feira, julho 13, 2005

Estás Louco Ou Quê

Havia uma senhora que recusara a herança de um tio desconhecido e foi viver com os animais. Vestia várias camadas de roupa, vivia nos parques, dava milho aos pombos e caminhava protegida pelos cães. Não se lhe podia concretizar a idade certa devido à batota do sol sobre a pele e os cabelos e as várias camadas de roupa, mesmo no Verão. Se alguém se aproxima do banco do parque onde ela dorme os cães rosnam. Vive de banco em banco, a adoptar cães e a distribuir milho aos pombos.

Noutra cidade havia uma fada. Não era uma fada, era uma mulher que se vestia como uma fada desde a adolescência. O pai retirou-a da escola quando a mãe morreu. Levantava-se todas as manhãs, vestia uma espécie de camisa de dormir branca e longa e um chapéu alto em cone, falava em rima e ia pela passadeira frente às escolas primárias tocando plins de varinha mágica aos miúdos que passavam. Plim!, plim!, plim!

Em Lisboa há o senhor que diz adeus aos carros que apitam. Viveram os dois até a mãe morrer e ele ficar sozinho. Um dia decidiu sair à rua a cumprimentar pessoas.

Pode ser que um dia, pensa o Coroneu, pode ser que um dia a fada faça plim! e o senhor do adeus lhe apareça à frente e depois a fada faça plim! e apareçam os dois em frente da senhora dos cães e depois a fada faça plim! e apareçam os trés à noite numa esquina qualquer a dizer adeus não aos carros que apitam mas à infelicidade incompreendida que deve ser fazer o que lhes apetece num intolerante mundo de loucos.

domingo, julho 10, 2005

Parque da Cidade

O Coroneu sentava-se ofegante num banco do parque descansando num interregno posterior à corrida de desmoer excessos. O amigo não parou e até desaparecer na curva dos 8 km de caminhos tentava incentivar um Coroneu exausto. Tal como as fábricas para a industrialização, o parque verde urbano é uma das medidas da qualidade de vida de uma cidade, pensava o Coroneu depois.

O maior parque urbano de Portugal é o Parque da Cidade no Porto, com uma superfície superior a 80 hectares (mais de 110 relvados do Dragão) e cerca 8,5 km de caminhos. Lisboa tem Monsanto mas na ausência do corredor arterial proposto não se pode considerar um parque inserido.

Os esquilos brincam uns com os outros nos 140 hectares de Hyde Park, que não é sequer o maior parque de Londres. No outro lado do oceano o Coroneu usufruiu alguns dos 337 hectares de Central Park um mês antes do céu cair sobre os nova iorquinos. No distrito Palermo de Buenos Aires, os 300 hectares de Tres de Febrero foram preenchidos com lagos e jardins orientais inspiração de um arquitecto francês. New Orleans que outrora furou um piercing no Coroneu é a cidade mais cabocla e carnavalesca da América do Norte e respira 600 hectares de City Park onde o Mississipi se flui com o Golfo. Em Paris passeia-se aos domingos nos 995 hectares do Le Bois.

O Coroneu pensava em todos estes parques. Tinha ido a todos, sozinho ou com pessoas diferentes. À frente dele, junto ao lago de patos, um casal sorridente esgrimia com espadas imaginárias. O amigo tornou a passar por ali e súbito o casal espadachim desaparecera. 'Imaginei', pensou o Coroneu confuso. O amigo tornou a insistir. Antes de voltar à corrida a malograda barriga do Coroneu ainda suplicava uma clemência de suor, sem lágrimas nem sangue.

terça-feira, junho 21, 2005

A Malograda Actriz, o Sobrinho de Pratt, o Estudante Espanhol e Chardonnay - versão II

Na esplanada sentava-se o Coroneu, a actriz, o fotógrafo ambulante sobrinho do Hugo Pratt e o estudante espanhol. O estudante espanhol e o sobrinho de apelido Pratt competiam pela actriz. O Coroneu competia pelo Chardonnay pago pelos outros dois. O Coroneu tinha mais sucesso com o Chardonnay que os outros dois com a actriz.

Antes de se ir embora a actriz contou-lhes em inglês uma história que tinha lido:

“Um pintor que começava os retratos pelos olhos não conseguia pintar o mar, porque o mar não tinha olhos. Um amigo disse-lhe que os olhos do mar eram os barcos. E o pintor perguntou porque é que então o mar às vezes engolia os barcos. O amigo respondeu ‘Don't you ever close your eyes and cry?’"

A história não seria exactamente assim, mas o Coroneu já a procurou sem sucesso. Limita-se a marinar na memória até que daqui a alguns anos, sem esperar e já esquecido, o Coroneu tropece no autor e se lembre novamente das palavras exactas da malograda actriz em Génova entoadas por duas garrafas de Chardonnay oferecidas pelo estudante espanhol e pelo fotógrafo ambulante sobrinho de Hugo Pratt.

quarta-feira, maio 25, 2005

Land of Oportunities, Boy

O T.C., amigo do Coroneu, não foi aceite nos testes Fullbrigth. Esperava-o uma empresa de referência mundial nos EUA. Como o aval da fundação Fullbright é indispensável, a hipótese de uma experiência de trabalho nos EUA ficou gorada.

A alternativa da altura foi uma pequena fábrica portuguesa recentemente aberta no Brasil. Hoje e apenas 2 anos depois, o T.C. é responsável por um departamento chave da fábrica. Recebe um salário que reflecte a responsabilidade e coordena directamente mais de 20 pessoas.

E ainda há quem sustente que os EUA é a verdadeira terra das oportunidades. Será por conta dos filmes americanos?

terça-feira, abril 26, 2005

A 10 km de Zaragoza

Naquele ano o Coroneu e o amigo faltavam à primeira semana de aulas depois da Páscoa. Enquanto montavam a tenda a custo de apalpadelas, luz de lanternas e luar ausente ouviam vacas e chocalhos. E um cheiro forte que não conseguiram identificar. Nas imediações uma fonte a jorrar água para um riacho. "Se calhar amanhã fazemos aqui o arroz e os ovos para o almoço". A luz da lanterna choca numa placa

"Prohibido Acampar" "Prohibido Hacer Fuego"

Passava da meia-noite. Os dois regressam à tenda constrangidos. Dentro da tenda um cheiro forte que não identificam. Acordam de manhã à espera de uma vaca a espreitá-los. Ao invés, um velho de cajado balbucinava reclamações em palpitações da boina basca. "Mis ajos", reclamava. "Mis ajos""Mis ajos""Mis ajos". O cheiro forte dentro da tenda. O cheiro que durante a noite se intrometeu nos sonhos, na roupa, no cabelo.

A contragosto o amigo do Coroneu pagou os alhos amassados sob a tenda, desmontaram tudo e deixaram o velho basco a admirar uma nota demasiado generosa. Sairam sem cozinhar arroz ou ovos. A água da fonte não logrou purificá-los. E quem sabe se o facto de não apanharem boleia durante muito tempo subsequente estaria relacionado com o cheiro a ajo. Carajo!

quinta-feira, abril 14, 2005

Na Patagónia II

O Coroneu montou a tenda de frente para o vulcão de cume gelado e de manhã mergulhava nas águas frias do lago. Não havia mais ninguém no acampamento. Só o pequeno cavaleiro, indio mapuche, que dormia em casa no cimo do monte. De manhã, depois de atear uma fogueira a custo de sopros e lenha seca, o Coroneu vestia um poncho de lama boliviano, frente a uma tenda comprada na argentina, com um cabelo desgrenhado de 4 meses e uma cana para acertar o lume onde se preparava um mate argentino óptimo para a helada que indicava o fim do Verão na Patagónia. Outros tempos.

Na Patagónia


Do fotolog do Coroneu.

sexta-feira, abril 08, 2005

Dizer Adeus no Meio da Estrada

Um dos sobrinhos de Hugo Pratt trabalhava como fotógrafo de cruzeiro e foi num interlúdio em Génova que o Coroneu o conheceu. Tanto quanto se pode conhecer alguém em 1 dia. Também conheceu um estudante espanhol e uma actriz italiana. Os quatro cruzaram-se e partilharam uma mesa de esplanada junto ao mar.

O Coroneu não os voltou a ver. O estudante dissolveu-se na faculdade, a actriz regressou a Milão de uma audição malograda e o fotógrafo embarcou.

Mas nessa tarde era como se realmente fossem amigos; o fotógrafo escorregava para a actriz e a golpes de chardonnay tentava calar um Coroneu insistente em Hugo Pratt, o espanhol abstémio prescindia-lhe o seu próprio copo de espumante, a actriz tropeçava num papel sem diálogos e o Coroneu bebia aquilo tudo a goles que picavam no nariz.

Há pessoas que tocam com o dedo e deixam uma marca, como se se despedissem a meio caminho. Outras agarram um pulso muito tempo mas não deixam nenhum vestígio. A aprendizagem é a de tentar aproveitar cada pessoa pelo seu melhor. Como ao degustar um sumo de laranja sem dar importância à casca que se deita fora.
.
"(...) but he's dreaming with his eyes open, and those that dream with their eyes open are dangerous, for they do not know when their dreams come to an end." 'Corto Maltese - The Celts', Hugo Pratt

quinta-feira, março 24, 2005

O Brasil é Meu

Acontece sempre. Basta a permissividade do céu cinzento a uma nesga de sol e o Coroneu começa a soprar bolhas de saudade com a palavra Brasil lá dentro. Não só o Brasil dos turistas mas também. Quando algum amigo fala maravilhado das férias, o Coroneu não consegue evitar e pensa
O Brasil é meu não é teu
ou então
Esse não é o Brasil eu é que sei o que é o Brasil.

E o Brasil para o Coroneu é andar de fusca a álcool e saborear suco de cana da mesma cana que alimenta o fusca e faz a cachaça das caipirinhas. É saber que nem todos os estados deliram com o carnaval. É saber a diferença entre suco e vitamina. Lanchar um milk shake. Comprar fichas para os telefones públicos. Ouvir quero-queros e admirar jabirús. Negociar preços no camelô dizendo Ó cara eu não sou gringo. Usar fichas na corrente de 3 pólos. Dizer frigobar e criado mudo e caiu a ficha e papetes e toda a vida recto e perguntar Oi? Conhecer a história dos bandeirantes. Respirar Pantanal e tropeçar numa cobra cara-de-sapo. Resolver abacaxi. Ver prendas dançar. Fazer chupeta ao carro. Ler o H como R. Pegar mototáxi. Democratizar MPB, Bossa Nova, Axé, Forró e Afoxé. Descomplexar espiritismo, candomblé e orixás, mães de santo e pajés.

Acontece sempre. Com o sol o Coroneu viaja na maionese. E pensa Eu é que sei o que é o Brasil. Mas não sabe. Só os brasileiros sabem do que ainda há tanto para saber. Ao Coroneu até regressar resta-lhe soprar bolhas de saudade com a palavra Brasil lá dentro.

quarta-feira, março 16, 2005

Na Montanha é Diferente

"Kilimanjaro is a snow covered mountain (...). Close to the western summit there is the dried and frozen carcass of a leopard. No one has explained what the leopard was seeking at that altitude.", The Snows of Kilimanjaro, Ernest Hemingway

Coberta de neve, a montanha exige dedicação em troca de sobrevivência. Não há batota na montanha. Como não há batota no fundo do mar. Como não há batota no deserto árido. O modesto conhecimento do Coroneu junta estes ambientes onde a batota fica de fora. Onde o branco da montanha é branco mas sempre diferente. O azul do mar é só azul mas nunca cansa. A areia do deserto só areia mas sempre mutável.

Estava nublado na montanha e enquanto descia uma pista entusiasmado pelo branco omnipresente, o Coroneu sucumbiu à tentação e esforçou mais do que sabia. E a montanha respondeu. Numa queda torceu um tornozelo, partiu a prancha para não torcer o outro e foi directo ao posto médico de onde saiu de muletas. Nada que não cure em poucos dias, mas o Coroneu reaprendeu. A montanha é uma amante exigente que não tolera desonestidades. Mas está sempre pronta a perdoar e a reaceitar todos os anos pelo Inverno. E nunca é igual. E o branco não é só branco. E para o ano o Coroneu vai tentar não fazer batota. Porque na montanha é diferente. E se é feio enganar pessoas, enganar montanhas nem é possivel. Não se enganam montanhas, Coroneu. Não se enganam montanhas.

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

And The Winner Is

Sócrates. José Sócrates. Na opinião do Coroneu ganhou quem devia, Portugal escolheu bem. Talvez o PSD não merecesse os ainda votos que teve e talvez o CDS/PP, pela prestação de Portas na Defesa, merecesse alguns dos votos que calharam ao PSD. Indigitado Primeiro Ministro pelos socialistas com 45,05%, completando uma maioria de 120 deputados dos 226 que completam o teatro português da assembleia da república, Sócrates vai governar um país que vira as costas aos palcos politicos para aplaudir humoristas orfãos de piada que sobrevivem na bengala do palavrão. Um país onde a suposta elite cultural não fomenta a inovação mas insurge-se emotivo a ressuscitar tradições mortas como o Parque Mayer. Um país cujos jovens quadros superiores almoçam embalados em discursos de moda ocos como os centros de decisão, ao invés da análise empresarial que efectivamente conhecem. Um país cuja gestão por objectivos é preterida a favor do controle horário como na escola primária. Um país sem incentivos mas com entraves ao empreendorismo inovador. Um país cujos contribuintes experientes - não falando dos jovens - justificam o voto no BE não por 'concordo com o que propõe' mas por 'é o único que propõe concretizações', frase que revela a ignorância eleitoral de quem a profere . Um país cuja esquerda demagógica ataca valores irreversiveis como a NATO ou a CE e a direita camuflada ataca liberdade de expressão e tudo o que mexe como um afogado a debater-se em desespero. Um país onde defender minorias é cair no erro de ser confundido com as próprias minorias que se defende.

Mesmo assim o Coroneu acha que Portugal é o melhor país do mundo para se viver. Sem os níveis de insegurança do Brasil, sem o clima moribundo do norte da Europa, sem a miséria de África, sem a hipocrisia americana, onde cada vez mais gente se interessa, onde é cada vez menos dificil empreender, publicar, editar... É talvez por isso que muitos estrangeiros que vêm ficam. Que muitos portugueses que vão têm o objectivo - concretizado ou não - de regressar. Apesar da falta de emotividade que Sócrates já demonstrou o Coroneu mantém uma optimista espectativa prudente. É que no palco legislativo todos os nomeados são premiados. 4 anos depois, ou menos. Resta saber quais vão ser os nomeados para as respectivas pastas e se daqui a 4 anos no máximo os prémios de actores e realizadores levam o epíteto de 'melhor' ou 'pior'. O Coroneu vai estar atento. Porque como diria a lírica senhora de bigode no mercado 'O mundo é um palco mas quem se lixa é o mexilhão'.

Compromissos do novo Governo:

  • Apoiar a criação de 200 novas empresas de base tecnológica.
  • Lançar programa de jovens quadros em gestão/inovação para as PME.
  • Repor os benefícios fiscais à I&D das empresas.
  • Introduzir o empreendedorismo como matéria obrigatória no ensino.
  • Colocação de um curso pós-graduado de gestão (MBA) entre os 100 melhores do Mundo.
  • Duplicar os fundos de capital de risco para projectos inovadores.
  • Triplicar o esforço privado em I&D.
  • Duplicar o investimento público em I&D até 1% do PIB.
  • Triplicar o número de patentes registadas.
  • Criar 1.000 lugares adicionais para I&D na administração pública, em contrapartida da extinção de vagas menos qualificadas.
  • Generalização do acesso à banda larga a preços competitivos.
  • Afectar 20% das contrapartidas de compras públicas a projectos de I&D.
  • Repor a autonomia financeira das instituições de investigação.
  • Reformar os Laboratórios do Estado e contratualizar as suas missões.
  • Consolidar as finanças públicas.
  • Cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento, sem receitas extraordinárias até ao final da legislatura.
  • Rever as normas de elaboração e aplicação do Orçamento de Estado no sentido da transparência e da eficácia no controlo da despesa.
  • Aprovar um programa plurianual de redução da despesa.
  • Apoiar uma revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento que favoreça o crescimento sem por em causa os objectivos da consolidação orçamental.
  • Combater a fuga e evasão fiscal: alterar o regime do sigilo bancário para efeitos fiscais em linha com as melhores práticas europeias.
  • Reforço da selectividade e qualidade do investimento público.
  • Simplificação, equidade e eficiência do sistema fiscal.
  • Modernizar a administração pública e promover a eficiência.
  • Possibilitar a criação de empresas num só dia.Criar o Cartão Único do Cidadão (reunindo BI, Contribuinte, SNS, Eleitor, Segurança Social).
  • Criar o Documento Único Automóvel (reunindo Livrete e Registo de Propriedade).
  • Introduzir a Informação Predial Única.
  • Lançar uma nova geração de Lojas do Cidadão e de Centros de Formalidades de Empresas.
  • Eliminar o duplo controlo notarial e registral.
  • Reduzir nos próximos 4 anos em 75 mil o número de funcionários públicos, com a regra de uma admissão por cada duas saídas (por aposentação ou desvinculação).
  • Introduzir o regime de contrato nas novas admissões, salvo para funções de soberania.
  • Generalizar a gestão por objectivos e aperfeiçoar o sistema de avaliação.
  • Delimitar o conjunto de cargos dirigentes de nomeação política.
  • Efectivar a reforma da Acção Executiva.
  • Reforçar os meios e aperfeiçoar os poderes das entidades reguladoras.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Ano Chinês - Contas e Acertos

Foi celebrado no passado domingo o novo ano chinês iniciado dia 9 de Fevereiro, em países como a China, a Coreia, o Japão e o Vietname. Começa sempre na segunda lua nova após o solestício de Inverno, entre 21 Janeiro e 18 Fevereiro. Este ano celebra o ano do galo.

O ano chinês rege-se pela Lua. Cada ano tem 12 meses lunares de 29,5 dias cada - tempo que demora a circular a Terra . No total apenas 354 dias formam o ano lunar ou o ano chinês, compensados com a criação de um mês a mais em cada 2,5 anos. Há 12 animais. Como há cinco elementos para cada animal o ciclo chinês cumpre-se cada 60 anos.

São 12 animais e várias lendas. A lenda que associa os animais a Buda relata que foram chamados todos os animais para uma corrida. O gato combinou com o rato acordarem-se mutuamente. Mas o rato quebrou o acordo e foi dormir na orelha do madrugador boi. De madrugada o boi levou o rato e o gato ficou adormecido. Na eminência da meta o rato pulou delegando o boi para segundo lugar. Depois o tigre, o coelho, o dragão, a serpente, o cavalo, o carneiro, o macaco, o galo, o cão, e o porco.

Outra lenda diz que o gato comeu o rato e Buda expulsou o felino acolhendo no seu lugar o coelho. De qualquer forma, o gato e o rato nunca se deram bem desde então e o próprio boi apresenta dificuldades em perdoar o rato. Como o calendário chinês é tido como o mais antigo do mundo, de 2637 AC, deve corroer manter ressentimentos tanto tempo. Talvez por isso um dos estágios da sapiência chinesa pretere os acertos de contas a favor de perdões que despoletam sorrisos numa consciência desanuviada.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Pistas Para Compreender o Mundo

Antes de compreender o mundo deve ser preciso entender porque é que em todos os idiomas que o Coroneu se lembra a palavra usada para o lado direito carrega significados positivos (português, inglês, francês) ou em contrapartida a palavra esquerda expressa uma ideia negativa (italiano).

Porque é que os italianos utilizam 'morbido' para a ideia de 'suave'. Porque é que os franceses soam a 'retrete' quando querem exprimir 'reforma'. Porque é que os espanhóis usam 'larga' para dizer 'comprida'. Porque é que na Argentina usam 'batata' para 'batata doce' e 'vos' para 'tu'. Porque é que na Bolivia 'alto' é 'muito'. Porque é que no Brasil 'lima' é 'limão' e 'limão' é 'lima'.

E sobretudo porque é que não há tradução em nenhum idioma
(inglês, francês, alemão, italiano, castelhano, ...)
do exclusivo vocábulo português 'saudade'.

Disclamer - A direita e a esquerda referidas em cima referem-se apenas à linguística e não estão de forma alguma relacionadas com conceitos de ciência política.

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Ai Esses Miúdos

No final do dia todos entraram no hotel a discutir casualidades do projecto de camisa e barbeados, os franceses uniformes de calça cinzenta, camisa branca e gravata azul - cores da empresa. O Coroneu como sempre.

O elevador chegou, todos os cinco entraram.

O espaço dentro do elevador era curto e o francês chefe de todos disse 'Ninguém se mova' e acto continuo deu um pulo e depois outro e depois outro e no final todos estavam aos pulos e no final do quinto ou sexto pulo o elevador soluçou e encravando parou. Do painel uma voz ressoou 'Está tudo bem? Entre que andares parou?'. O Coroneu respondeu. Dentro do elevador a temperatura subia.

Quando a equipa de desencravamento conseguiu finalmente baixar o elevador a um andar e abrir a porta deparou-se com quatro franceses e um português, todos em tronco nú de gravata ao pescoço e ao pé coxinho a jogar tetris de telemovel. Antes de irem para os respectivos quartos compararam os recordes. Ficou prometida uma nova sessão no dia seguinte que não chegou a cumprir-se porque ficaram em reuniões até tarde na fábrica.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Martini: Causa Efeito no Mundo Automóvel

"The new mechanical wagon with the
awful name automobile has come to stay..."
1897, New York Times

Foi assim que apareceu pela primeira vez massificada ao público a palavra automobile, de que deriva automóvel. A palavra foi criada no Séc.XIV por um pintor/engenheiro chamado Martini - desde cedo a profíncua relação condução-bebida. Martini foi buscar a palavra grega 'auto' e a latina 'mobils'. Engenheiros artistas é o que dá...

(Carro provém de vocábulos usados para carruagens de cavalos, do Celta 'carrus')

Estimam-se em cerca de 100 mil as patentes envolvidas no carro como o conhecemos hoje. A optimização nas linhas de produção é atribuida a Frederick W. Taylor que levava trabalho para casa obrigando os filhos a tomarem banho e a lavar os dentes seguindo instruções precisas para reduzir o tempo. Um deles tornou-se - dizem - um bêbado dedicado.

Considera-se que o primeiro automóvel foi construido em 1771 pelo francês Cugnot; uma máquina a vapor que parava de 15 em 15 minutos para abastecer. Um dos dois homens que o financiava morreu na mesma altura em que o outro fugiu com uma amante - desgosto de amor? Numa demosntração ao rei o francês foi protagonista do primeiro acidente automóvel, contra uma parede de pedra. Rumores acusam embriagez de Martini. Dado que a Martini foi fundada quase 100 anos depois, provavelmente tratava-se de uma garrafa de Vermute caseiro.


“I am going to democratize the automobile. When I’m through
everybody will be able to afford one, and about everyone will have one.”
1909, Henry Ford

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Insómnia

"(...)But I, being poor, have only my dreams.
I have spread my dreams under your feet;
tread softly, because you tread on my dreams."
'He Wishes for the Cloths of Heaven', William Butler Yeats

Está frio na varanda do 3º andar. É a 3ª vez que o Coroneu habita um 3º andar. Há qualquer coisa com o 3º andar. À noite a rua do Coroneu fica deserta, habitada de carros adormecidos e de janelas às escuras. O Coroneu estende o braço, empertiga o indicador e a rua transforma-se num rio de lama incandescente. Já não está tanto frio. De seguida o Coroneu estende o braço, empertiga o indicador e os carros são águias, as portas abertas asas e o capôt um bico enorme. Olha para cima. Vêem-se estrelas, algumas. O Coroneu empertiga o dedo e caiem lâmpadas laranjas que se fundem ao cair na lava que é a rua. Já não está frio. O Coroneu fica ali na varanda a olhar a lava que escorre em baixo, a olhar carros a subir para o céu e a olhar chuvas de lâmpadas luminosas com insectos lá dentro. Maravilhoso. Por isso o Coroneu tem sempre cuidado ao passar numa rua. Não quer pisar os sonhos de quem não dorme.