terça-feira, fevereiro 27, 2007

Uma Espécie de Papel Químico

"The night is only a sort of carbon paper,
Blueblack, with the much-poked periods of stars
Letting in the light, peephole after peephole . . .
(...) Under the eyes of the stars and the moon's rictus
He suffers his desert pillow, sleeplessness
Stretching its fine, irritating sand in all directions."
'Insomniac', Sylvia Plath

Poucas pessoas na rua. Praticamente nenhuma. As que passam vêm sozinhas. Na maior parte da noite a rua mora sozinha. Só o policia a aparecer na esquina ao fundo, em períodos descompassados. Passa um cão agora. É pequeno. As patinhas apressadas como se estivesse atrasado. Está frio na varanda do 3º andar. O Coroneu não consegue adormecer. Nada de mais em relação a outros dias. A não ser frio. Do outro lado da rua as janelas a dormir, as luzes apagadas. Está frio e a rua está sozinha. De repente um berro enorme. Logo a seguir o Coroneu ouve gargalhadas do mesmo lugar que é o fundo da rua. Olha para cima. Vê-se céu. Poucas estrelas mas contudo algumas. A cidade é um sitio estranho onde sozinhos nos podemos sentir cheios e na multidão sozinhos.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Aldebaran de Touro


Muitos dias, naquela hora depois do telejornal em que começa a novela, o Coroneu costuma acompanhar a sua sombra numa volta ao quarteirão. O Coroneu e a sombra falam-se mas sobretudo entendem-se no silêncio, como as relações duradouras. Os gatos indiferentes a ele e à sombra oposta aos postes de luz, indiferentes a tudo excepto à viúva dos gatos. Os pingos esporádicos caiem sem rede, transbordam dum céu indeciso em chover tudo de uma só vez. Os poucos cafés abertos a esta hora não se recomendam. Há excepções. Há excepções a tudo. Por exemplo, um gato assusta-se e corre a proteger-se sob um carro estacionado. Apesar do céu, uma abertura alarga-se o bastante para espreitar Aldebaran de Touro. Outra exepção. Se é sempre um privilégio distinguir uma estrela na cidade, sublinha-se no Inverno. Funciona assim, a metáfora: quando menos se espera o caos nublado abre e sem procurarmos do ventre do céu brilha uma estrela. Embora as estrelas brilhem sempre, mesmo na retaguarda das nuvens, as estrelas brilham sempre. "Que brilhes para mim amanhã, Aldebaran de Touro", despede-se o Coroneu antes de encaixar as chaves para entrar em casa.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Tecnologia ao Serviço dos Inocentes

Durante estes dias o Coroneu movimenta-se num veículo cuja abertura da porta depende de um sensor que detecta a chave no bolso e dispensa fechadura. Basta aproximar da porta e abri-la.

No entanto o G. e a C., irmãos de 7 e 5 anos não sabem nada da tecnologia safe key control mas adoram magia. Foi por isso que o Coroneu, depois de ambos fracassarem a abertura da porta do carro, aproximou-se, bamboliou os dedos junto à pega enquanto entoava um "alakajum alakajá" misterioso e depois abriu simplesmente a porta perante aquela plateia de dois inocentes incrédulos. O Coroneu fechou a porta, afastou-se e eles malogravam em abrir a porta. O mais velho puxava a pega com força sem êxito. O Coroneu disse-lhes "Não é com força é com magia" aproximou-se e repetiu "alakajum alakajá" antes de abrir a porta novamente.

Alguns minutos depois, o Coroneu ia a sair de casa quando viu o G. e a C., irmãos de 7 e 5 anos que não sabem nada da tecnologia safe key control mas adoram magia, a experimentarem revezando-se a bamboliar os dedos junto à pega enquanto gritavam cada vez mais alto variações de "alakajum alakajá" antes de tentarem abrir o carro sem conseguir. Ao que parece era na palavra mágica que não conseguiam acertar.