terça-feira, abril 26, 2005

A 10 km de Zaragoza

Naquele ano o Coroneu e o amigo faltavam à primeira semana de aulas depois da Páscoa. Enquanto montavam a tenda a custo de apalpadelas, luz de lanternas e luar ausente ouviam vacas e chocalhos. E um cheiro forte que não conseguiram identificar. Nas imediações uma fonte a jorrar água para um riacho. "Se calhar amanhã fazemos aqui o arroz e os ovos para o almoço". A luz da lanterna choca numa placa

"Prohibido Acampar" "Prohibido Hacer Fuego"

Passava da meia-noite. Os dois regressam à tenda constrangidos. Dentro da tenda um cheiro forte que não identificam. Acordam de manhã à espera de uma vaca a espreitá-los. Ao invés, um velho de cajado balbucinava reclamações em palpitações da boina basca. "Mis ajos", reclamava. "Mis ajos""Mis ajos""Mis ajos". O cheiro forte dentro da tenda. O cheiro que durante a noite se intrometeu nos sonhos, na roupa, no cabelo.

A contragosto o amigo do Coroneu pagou os alhos amassados sob a tenda, desmontaram tudo e deixaram o velho basco a admirar uma nota demasiado generosa. Sairam sem cozinhar arroz ou ovos. A água da fonte não logrou purificá-los. E quem sabe se o facto de não apanharem boleia durante muito tempo subsequente estaria relacionado com o cheiro a ajo. Carajo!

quinta-feira, abril 14, 2005

Na Patagónia II

O Coroneu montou a tenda de frente para o vulcão de cume gelado e de manhã mergulhava nas águas frias do lago. Não havia mais ninguém no acampamento. Só o pequeno cavaleiro, indio mapuche, que dormia em casa no cimo do monte. De manhã, depois de atear uma fogueira a custo de sopros e lenha seca, o Coroneu vestia um poncho de lama boliviano, frente a uma tenda comprada na argentina, com um cabelo desgrenhado de 4 meses e uma cana para acertar o lume onde se preparava um mate argentino óptimo para a helada que indicava o fim do Verão na Patagónia. Outros tempos.

Na Patagónia


Do fotolog do Coroneu.

sexta-feira, abril 08, 2005

Dizer Adeus no Meio da Estrada

Um dos sobrinhos de Hugo Pratt trabalhava como fotógrafo de cruzeiro e foi num interlúdio em Génova que o Coroneu o conheceu. Tanto quanto se pode conhecer alguém em 1 dia. Também conheceu um estudante espanhol e uma actriz italiana. Os quatro cruzaram-se e partilharam uma mesa de esplanada junto ao mar.

O Coroneu não os voltou a ver. O estudante dissolveu-se na faculdade, a actriz regressou a Milão de uma audição malograda e o fotógrafo embarcou.

Mas nessa tarde era como se realmente fossem amigos; o fotógrafo escorregava para a actriz e a golpes de chardonnay tentava calar um Coroneu insistente em Hugo Pratt, o espanhol abstémio prescindia-lhe o seu próprio copo de espumante, a actriz tropeçava num papel sem diálogos e o Coroneu bebia aquilo tudo a goles que picavam no nariz.

Há pessoas que tocam com o dedo e deixam uma marca, como se se despedissem a meio caminho. Outras agarram um pulso muito tempo mas não deixam nenhum vestígio. A aprendizagem é a de tentar aproveitar cada pessoa pelo seu melhor. Como ao degustar um sumo de laranja sem dar importância à casca que se deita fora.
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"(...) but he's dreaming with his eyes open, and those that dream with their eyes open are dangerous, for they do not know when their dreams come to an end." 'Corto Maltese - The Celts', Hugo Pratt