quarta-feira, outubro 19, 2005

Cães Que Adoptam Pessoas

Há cães e há cães, os cães da cidade e os cães verdadeiros, os cães da cidade ossudos e olheirudos como os próprios donos que os passeiam na casa de banho da via pública à distância de uma trela demasiado curta ou daquelas elásticas que enrolam uma cidade inteira entre o dono e o cão.

Mas o cão que adoptou o Coroneu era um cão verdadeiro. Tinha andado 30 km pelos campos e as patas feridas fizeram-no parar no acampamento onde o Coroneu dormia. Dois dias depois de ter adoptado o Coroneu, de o ter avisado dos cavalos e das vacas, seguiram pela estrada e apanharam a mesma boleia na caixa aberta de uma carrinha.

10km mais tarde o dono enchia o cão de festas. Explicou que o tinha perdido numa feira e agradeceu ao Coroneu. O Coroneu descartou-se porque o mérito pertencia às patas feridas de 40 km do cão que conseguiu achar o caminho de casa. Há donos que adoptam cães mas os cães verdadeiros adoptam os donos e, como todo sentimento que é autêntico, não os abandonam nunca. O Coroneu deixou o cão e o dono enternecidos, esperando também ele encontrar num dia desprevenido o caminho para casa.

6 comentários:

D. disse...

"...esperando também ele encontrar num dia desprevenido o caminho para casa."


Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo, Oh as Casas as Casas as Casas




P.S - O Coroneu que desculpe ter esquecido o cão e ter ficado com a casa.**

trintapermanente disse...

o coroneu tem um bom coração e uma presença de espirito enormes. adorei o texto, deveras!

Anónimo disse...

Os CasTigadores, que tb são autênticos pq não se esquecem nunca, também esperam encontrar um dia o caminho para casa. Por agora, há outros caminhos para descobrir.

Coroneu disse...

"Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo" - Não conhecia o poema. Quando o Coroneu for rico, nao faz mal porque já foi pobre e não se vai esquecer que a casa é o mundo inteiro :)

Olá Trinta, não foi bem assim que se passou mas foi muito parecido e o Coroneu promete que teve mesmo bom coração na ocasião ;)

Olá CasTigadores, o importante é caminhar, como dizia o espanhol, faz-se caminho andando! Boa caminhada :)

Anónimo disse...

o coroneu é mas é um grande "vadio", há tres dias q está parado e já está com os pirolitos no ar e o poema do Ruy Belo vem mesmo a calhar

Anónimo disse...

Caminhar até ao fim do mundo à procura de um cãozinho q sempre esteve à espera à porta de casa... boas andanças Coroneu!