O Coroneu viu-se de novo limitado a 3 paredes e uma porta para a varanda - o que já não é mau - no antigo 3º andar de Lisboa.
Na actualidade as varandas e janelas pavoneiam-se com bandeiras portuguesas em riste estendidas ao sol desfolhadas num unânime patriotismo do EURO 2004 que apenas transtorna o esvoaçar dos pombos e outros desconfiados menos entusiastas. Mesmo que seja por moda - ou não - o Coroneu gosta. O edificio não é estranho ao Coroneu. Já ali vivera há tempos durante um ano ou dois. É remodelado e tem muitas aberturas para a luz. Mas agora é de noite e o Coroneu vê-se de novo limitado no quarto que já fora seu. Ainda persistem alguns mapas na parede, um de cada região por onde o Coroneu viajou e um ou dois de cidades mais especiais. O Coroneu tem uma adoração carinhosa e quase infantil por mapas. Antes de dormir o Coroneu foi à varanda. Calcula que teria acendido um cigarro se fumasse.
Na janela em frente, do outro lado da rua ela aparece de camisa de dormir a esvoaçar do parapeito os pombos despertos. É uma senhora muito velha que fuma, só vai à janela para fumar, só sai da cama para fumar. A senhora só tem janela e da varanda do Coroneu vê-se um ângulo da cama. Durante todo o dia entende-se a obscuridade do quarto interrompida pelo candeeiro sempre acesso que ilumina a leitura continua de um braço a mover-se ao virar a página dos livros de que nunca se percebe a capa.
Talvez a senhora muito velha que fuma tenha sido ela própria uma entusiasta trotamundos. Talvez se tenha cansado ou um problema de saúde apesar de fumar ou então simplesmente depois de uma viagem se tenha esquecido de continuar. Ou pode ser que se tenha lembrado mas se tenha fartado de viajar sozinha e não tenha encontrado nenhum companheiro de viagem. Ou ainda encontrou mas permaneceu numa espera que não acaba nunca.
Há algumas pessoas a quem o Coroneu mostra a senhora e que depois de dizer o que pensa encerram o assunto com um conclusivo É pouco provavel. Ou que resolvem a senhora muito velha que fuma como um cansaço de vida à espera da morte. Mas o Coroneu sabe que não é assim. A janela dela também tem uma bandeira.
E o Coroneu sabe, tem a certeza e até apostava se houvesse forma de verificar que a senhora muito velha que fuma tem as paredes do quarto forradas a mapas de cidades, paises, continentes, prateleiras de chichas do Egipto, de mates da Argentina ou chapéus de palha da República Dominicana e que os livros que lê são roteiros, guias turisticos especializados no idioma local. E que só está à espera do companheiro enquanto estuda na cama o guia da próxima viagem. O Coroneu deseja-lhe felicidades para a próxima viagem. E espera que não demore muito. Porque deve ser dificil passar anos num quarto com a obscuridade interrompida apenas pelo candeeiro da cabeceira.
Sem comentários:
Enviar um comentário