quarta-feira, maio 19, 2004

No, no llores mas

"- Dime, qué comemos.
El coronel necessitó setenta y cinco años para llegar a ese instante. Se sintió puro, explícito, invencible, en el momento de responder:
- Mierda."

El Coronel no Tiene Quien le Escriba, Gabriel Garcia Márquez

O autocarro que levou o Coroneu ia praticamente vazio. Praticamente significa um par de viúvos animados partilhando histórias dos respectivos falecidos e outra argentina ao fundo que ia sempre a dormir, ou assim parecia porque jamais tirava os óculos escuros. Na parte de baixo apenas o condutor e o assistente que distribuia as refeições e se encarregava dos vídeos. Era um confortavel autocarro de dois andares. E muitas horas até Buenos Aires.

A meio da viagem o autocarro parou meia hora no terminal de uma cidade grande que o Coroneu não conseguiu identificar. O par de viúvos bem dispostos acomodaram-se numa mesa a tomar café. O Coroneu foi levantar dinheiro. A máquina multibanco era adjacente a uma cabine telefónica, onde entrou a argentina dos óculos escuros.

Apesar da hermética construção da cabine o constrangido Coroneu ouviu o grito da argentina antes de desligar o telefone.

(Cabron de mierda hijo de puta que juro que vuelvo e ya no me vas a ver mas)

Depois saiu da cabine e acendeu um cigarro. Foi falar com o motorista que acomodava as bagagens. Entrou nas bilheteiras do terminal e voltou ao motorista. O Coroneu sentou-se a tomar café numa mesa ao lado dos viúvos que riam.

Através da vitrine viu a argentina mudar a bagagem para outro autocarro. O outro autocarro voltava de Buenos Aires com destino à pequena cidade de onde tinhamos saído. A argentina voltava para trás. E sem nunca tirar os óculos.

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