quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Aldebaran de Touro


Muitos dias, naquela hora depois do telejornal em que começa a novela, o Coroneu costuma acompanhar a sua sombra numa volta ao quarteirão. O Coroneu e a sombra falam-se mas sobretudo entendem-se no silêncio, como as relações duradouras. Os gatos indiferentes a ele e à sombra oposta aos postes de luz, indiferentes a tudo excepto à viúva dos gatos. Os pingos esporádicos caiem sem rede, transbordam dum céu indeciso em chover tudo de uma só vez. Os poucos cafés abertos a esta hora não se recomendam. Há excepções. Há excepções a tudo. Por exemplo, um gato assusta-se e corre a proteger-se sob um carro estacionado. Apesar do céu, uma abertura alarga-se o bastante para espreitar Aldebaran de Touro. Outra exepção. Se é sempre um privilégio distinguir uma estrela na cidade, sublinha-se no Inverno. Funciona assim, a metáfora: quando menos se espera o caos nublado abre e sem procurarmos do ventre do céu brilha uma estrela. Embora as estrelas brilhem sempre, mesmo na retaguarda das nuvens, as estrelas brilham sempre. "Que brilhes para mim amanhã, Aldebaran de Touro", despede-se o Coroneu antes de encaixar as chaves para entrar em casa.

2 comentários:

João Tomaz disse...

E eis que o Coroneu poético se torna num Coroneu ainda mais poético... claro que também te poderias transformar num Coroneu ainda mais poético que aceita o convite para participar no Ouvido por acaso, mas isso já é outra conversa...

Coroneu disse...

Caro Pelicano, tá feito. Obrigado pelo convite!