Num lado escura noutro também serena. A noite é escura e serena quando não chove, ou talvez por ter chovido semanas atrás. É mais escura naquele quarteirão de baixo, onde as prostitutas saiem das sombras quando querem, na previdência de um carro que abranda. Onde homens em pé com o joelho dobrado e olhos escondidos sustentam as costas na caliça da parede, de mãos nos bolsos e cigarro acesso esperando nem eles sabem o quê. Não inspira segurança passar por aquele lado.
Deste lado a noite é mais serena, é o lado onde apesar do piscar alternado de candeeiros indecisos (revezam a luz, como os faróis) não existe alma visível excepto os gatos silenciosos de cauda apontada ao céu. Às vezes, numa dessas voltas ao quarteirão que o Coroneu dá (no pretexto de um café, ou mesmo sem pretexto) fica a ouvir a noite a pingar. Pinga de forma diferente, conforme o lado que se oiça. Deste lado pingam também sossego de velhinhos (como a velhinha dos gatos). E lá estão os namorados a ouvir rádio no Fiat, pela silhueta a cabeça de um no ombro do outro. Já na varanda o Coroneu verá a despedirem-se, ele esperará que ela entre no edifício, feche a porta e depois arrancará invertendo pela parte das prostitutas. E decerto que ela lhe recomendou um toque quando ele chegasse a casa. Para saber que chegava bem. Porque ela pressente: não inspira segurança atravessar a parte escura de uma noite serena.
1 comentário:
Ainda falas da minha descrição de tempestade...
Até eu fiquei à espera do toque.
Não tens mais nada pra fazer? Vai trabalhar! :)
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