quinta-feira, novembro 30, 2006
terça-feira, novembro 21, 2006
Regresso Numa Noite Escura e Serena
Num lado escura noutro também serena. A noite é escura e serena quando não chove, ou talvez por ter chovido semanas atrás. É mais escura naquele quarteirão de baixo, onde as prostitutas saiem das sombras quando querem, na previdência de um carro que abranda. Onde homens em pé com o joelho dobrado e olhos escondidos sustentam as costas na caliça da parede, de mãos nos bolsos e cigarro acesso esperando nem eles sabem o quê. Não inspira segurança passar por aquele lado.
Deste lado a noite é mais serena, é o lado onde apesar do piscar alternado de candeeiros indecisos (revezam a luz, como os faróis) não existe alma visível excepto os gatos silenciosos de cauda apontada ao céu. Às vezes, numa dessas voltas ao quarteirão que o Coroneu dá (no pretexto de um café, ou mesmo sem pretexto) fica a ouvir a noite a pingar. Pinga de forma diferente, conforme o lado que se oiça. Deste lado pingam também sossego de velhinhos (como a velhinha dos gatos). E lá estão os namorados a ouvir rádio no Fiat, pela silhueta a cabeça de um no ombro do outro. Já na varanda o Coroneu verá a despedirem-se, ele esperará que ela entre no edifício, feche a porta e depois arrancará invertendo pela parte das prostitutas. E decerto que ela lhe recomendou um toque quando ele chegasse a casa. Para saber que chegava bem. Porque ela pressente: não inspira segurança atravessar a parte escura de uma noite serena.
Deste lado a noite é mais serena, é o lado onde apesar do piscar alternado de candeeiros indecisos (revezam a luz, como os faróis) não existe alma visível excepto os gatos silenciosos de cauda apontada ao céu. Às vezes, numa dessas voltas ao quarteirão que o Coroneu dá (no pretexto de um café, ou mesmo sem pretexto) fica a ouvir a noite a pingar. Pinga de forma diferente, conforme o lado que se oiça. Deste lado pingam também sossego de velhinhos (como a velhinha dos gatos). E lá estão os namorados a ouvir rádio no Fiat, pela silhueta a cabeça de um no ombro do outro. Já na varanda o Coroneu verá a despedirem-se, ele esperará que ela entre no edifício, feche a porta e depois arrancará invertendo pela parte das prostitutas. E decerto que ela lhe recomendou um toque quando ele chegasse a casa. Para saber que chegava bem. Porque ela pressente: não inspira segurança atravessar a parte escura de uma noite serena.
sábado, novembro 11, 2006
Como Um Quadro de Manet
Na outra noite, andava o Coroneu de copo na mão a resolver o tédio com os decotes das empregadas do bar, quando reparando numa delas não foi capaz de resistir e na primeira oportunidade inclinou-se, segredando-lhe ao ouvido qualquer parvoíce pretenciosa como 'a menina assim atrás do balcão faz lembrar aquele quadro do Manet'.
E a menina atrás do balcão, em vez de torcer a boca num S deitado, em vez de virar as costas com 'seu ordinário' ou 'seu esquisito' ou em alternativa sorrir em 'ai seu romântico nunca me tinham dito isso', respondeu 'qual quadro, aquele Un bar aux Folies Bergère contestado por possíveis erros de reflexão no espelho, que nem pintado num bar foi? E o Manet que pintava putas e que considero o pintor mais escuro dos impressionistas?'
Claro que o Coroneu poderia contrapor que foi o último grande quadro de Manet, que a modelo Suzon trabalhava mesmo no bar, que Manet foi percursor das cenas quotidianas e que pegando no impressionismo fez-lhe a ponte para os motivos realistas... Poderia contrapor mas ficou para outra ocasião. Entretanto pediu-lhe mais um copo enquanto saboreava a raridade das mulheres-espírito-livre.
E a menina atrás do balcão, em vez de torcer a boca num S deitado, em vez de virar as costas com 'seu ordinário' ou 'seu esquisito' ou em alternativa sorrir em 'ai seu romântico nunca me tinham dito isso', respondeu 'qual quadro, aquele Un bar aux Folies Bergère contestado por possíveis erros de reflexão no espelho, que nem pintado num bar foi? E o Manet que pintava putas e que considero o pintor mais escuro dos impressionistas?'
Claro que o Coroneu poderia contrapor que foi o último grande quadro de Manet, que a modelo Suzon trabalhava mesmo no bar, que Manet foi percursor das cenas quotidianas e que pegando no impressionismo fez-lhe a ponte para os motivos realistas... Poderia contrapor mas ficou para outra ocasião. Entretanto pediu-lhe mais um copo enquanto saboreava a raridade das mulheres-espírito-livre.